terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Quinta agrícola cultivada por pessoas com deficiência distinguida com Prémio de Empreendedorismo Social

A Oficina Agrícola do Centro de Apoio a Deficientes do Alto Tâmega surgiu em 2004 como um projecto pioneiro no distrito de Vila Real. Munidos de sacholas, 11 utentes com necessidades especiais, que pouco falavam uns com os outros, aprenderam a trabalhar a terra. Resultado: no ano passado colheram mais de 2000 quilos de batata e ganharam mais auto-estima. O projecto acaba de ser reconhecido como “Iniciativa de Elevado Impacto Social” pelo Instituto de Empreendedorismo Social

Batata, milho, feijão, couve penca e tomate são alguns produtos hortícolas que a quinta agrícola de dois hectares do Centro de Apoio a Deficientes do Alto Tâmega (CADAT) dá. Quem cultiva o terreno, cedido pela Câmara Municipal de Boticas, são 11 pessoas portadoras de deficiência mental ligeira do Centro de Actividades Ocupacionais do CADAT, que desde 2008 se tornaram verdadeiros “agricultores”, desde a sementeira e rega à colheita e pesagem dos produtos hortícolas. No ano passado, colheram mais de 2000 quilos de batatas e mais de 1000 de tomates. Tudo 100% biológico.

No passado dia 20 de Dezembro, o esforço foi recompensado. Após um périplo pelo distrito de Vila Real, o Instituto de Empreendedorismo Social (IES) reconheceu a Oficina Agrícola do CADAT, uma valência da Santa Casa da Misericórdia de Boticas, como “Iniciativa de Elevado Impacto Social”, no meio de cinco projectos distinguidos com o prémio “ESmais”, como o programa de voluntariado ambiental do Parque Natural do Alvão. “É um prémio simbólico, um reconhecimento daquilo que fizemos”, considera o director técnico do CADAT, Pedro Vaz. “Quando começámos este projecto agrícola com pessoas com necessidades especiais, não havia nada do género. Fomos pioneiros no distrito”.

Na quinta, junto às instalações do CADAT, há uma estufa de culturas sazonais e não faltam os utensílios indispensáveis ao amanho da terra, como uma moto cultivadora, sacholas e picaretas, que os utentes usam na lavoura, geralmente uma a duas horas diárias de manhãs e à tarde, consoante o estado do tempo. Antes da formação teórica, que durou 4 anos, e da aplicação em contexto real de trabalho, “eram utentes que pouco falavam e interagiam uns com os outros. A partir do momento em que começaram a frequentar esta oficina, começaram a interagir de uma forma muito mais dinâmica, a saberem ocupar melhor o seu espaço e o seu tempo, e principalmente a serem mais felizes. Sentirem-se melhor com eles próprios!”, conta Pedro Vaz. Graças a este projecto, ganharam em autonomia, aprenderam a respeitar regras e normas de conduta básica e civismo. “Foi como nascer de novo!”, garante o director técnico.

“Estes utentes têm qualidade no trabalho porque empenham-se ao máximo”

Tudo começou em 2004, quando o Fundo Social Europeu destinou apoio financeiro, no âmbito do Programa Constelação, ao CADAT para iniciar oito formandos, seleccionados de acordo com determinadas capacidades cognitivas, à prática agrícola. O programa findou em Outubro 2008, mas dada a “importância terapêutica junto dos utentes” e “projecção em termos de impacto social”, a Santa Casa contratou a engenheira agrícola que ensinava os formandos e deu a oportunidade de participar a mais três utentes do CAO, contou Pedro Vaz. Ao contrário do habitual, nesta produção agrícola, os lucros não são monetários. Aqui, o objectivo “não é ganhar dinheiro, mas implementar uma actividade terapêutica para que os utentes se sintam motivados, enquadrados e bem ocupados”.

A quinta agrícola despertou a curiosidade da comunidade botiquense, que não resistiu a visitar o campo agrícola. De acordo com Pedro Vaz, nota-se que existe agora “mais interacção com a sociedade” e destaca o elevado impacto social da iniciativa, a razão de ser do prémio do IES. Para estes formandos, a maioria natural dos concelhos de Boticas e Chaves, a quinta foi uma lufada de auto-estima. “Estes utentes têm qualidade no trabalho porque empenham-se ao máximo. Gostam de mostrar o trabalho feito!”, confirma o director. E não é apenas qualidade. “Trabalham muito! Não têm noção do volume de trabalho que fazem. Cabe-nos a nós conseguir regrar este esforço, que não é demasiado, não há exploração”. Tudo o que a terra dá é para consumo interno dos centros comunitários.

“O nosso sonho é ter uma quinta biológica com animais”

Para a equipa técnica – constituída por um psicólogo, uma terapeuta ocupacional, uma fisioterapeuta, uma técnica de serviço social e uma engenheira agrícola –, o desafio constante é quebrar a rotina e, nesta aventura, a maior dificuldade foi “todos os dias encontrar estratégias de compensação para os motivar”, explicou Pedro Vaz. Destes “agricultores”, a terra exige um esforço suplementar na execução de tarefas “que os obriguem a estar mais atentos”.

Já a parte prática, foi mais fácil, pois já estavam familiarizados com a actividade que deu sustento a pais e avós. “No terreno, sentem-se em casa e muitos deles conseguem fazer as coisas completamente sozinhos, sem qualquer ajuda”, garante Pedro Vaz, que promete que esta iniciativa não vai parar de crescer. “O nosso sonho é ter uma quinta biológica com animais de pequeno porte: galinhas, coelhos, patos…”. Este é, contudo, um projecto mais difícil de enquadrar na legislação, mas que está a ser estudado pela Santa Casa da Misericórdia de Boticas e poderá abranger mais quatro ou cinco utentes.

Outra ideia a estudar é colocá-los a trabalhar terras não cultivadas da população local, mas também aqui o problema é enquadrar este serviço à comunidade nos termos legais, pois “o nosso objectivo não é explorá-los, mas integrá-los na sociedade, de forma a que se sintam protegidos pela própria sociedade”. “Há instituições no país que já o fazem e os resultados são fantásticos! Todos conhecem todos”, remata o director técnico do CADAT.

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